quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Impressões- Um pouco de história e memória - Conversa com Gilberto Gil acerca de sua trajetória artística e política.

Em plena segunda feira, início da tarde, nos preparávamos, um grupo de oito pessoas do CUCA da UNE ( Circuito Universitário de Cultura e Arte), para encontrar Gilberto Gil e conversar acerca da sétima edição da Bienal de Cultura da UNE e de tópicos que considerávamos importantes para o contexto cultural e político. Sabíamos, no fundo, que a amplitude de nosso assunto e aprendizado, transpassaria fatores múltiplos e desencadeados pela nossa vivência enquanto coletivo, entidade, etc, e que seriamos contemplados com uma experiência diferenciada e única, para todas as nossas vidas e para nossa atuação no universo cultural ...

*Ser um dos únicos baianos do grupo talvez me imbuísse de um sentimento diferente em relação a este momento, mas acredito que todos estávamos tão emocionados e ansiosos com relação ao bate papo, que confluímos numa energia única e total, pensando no sentido de Brasil e de País com uma miscigenação como poucos no continente mundial e global. Me sentia baiano e brasileiro. Humano e Artista.
Admirado e orgulhado do ser humano que encontraríamos e com o ouvido e corpo atentos e receptivos.

Ao som de Andar com Fé caminhávamos para lá e situada a demarcação ideológica e idiossincrática singular de cada um e do coletivo como um todo, partes de um mesmo, percebíamos interesses distintos e uma já antagônica e histórica diferença em termos de pensamentos enlaçados pela estética e a política.

Ao nos depararmos com um Gilberto Gil extremamente lúcido e fervoroso, com seu discurso sobre diversidade e admissão da diferença, fez-se clara, para mim ao menos, a idéia de coletivo , entidade ou instituição heterogênea, organizada pelos modos de pensar autonomia e comunicação na atualidade, possibilitando um intercâmbio de idéias que se dá no campo de singularidades e coletivos pensantes, em franco processo dialógico e dialético, e na contribuição particular de cada ente contributivo.
Algo que aos poucos define-se e situa-se na atuação dos agentes da cultura e nos contextos dos movimentos sociais e culturais atuais e contemporâneos, e que o distinguem da política e filosofia clássica, aproximando-os de uma antropologia e poética redimensionada e simbólica, por vezes subjetiva e própria.
“Hoje não é mais o pequeno recanto que reivindica sua sucessão ao universal, é o universal que chama o local para que ele venha.”

Gil, integrante do CPC baiano na época de sua juventude, talvez por experiência empírica, seja um ferrenho defensor de uma nova cultura política, abarcada por sua horizontalidade e transversalidade entre os conteúdos e linguagens dispostas no conhecimento, e nas organizações pragmáticas desse conhecimento circulado em sociedade. O Movimento Tropicalista, do qual Gil fez parte, contém um forte conteúdo de cunho comportamental, afetivo, sexual e estético, sendo sua história de ativismo, sempre voltada para compreensões micro e macro, de uma escala plana e circular, de movimentos revolucionários que se iniciam no interior de indivíduos e coletivos e partem para uma universalidade transformadora e tátil, linear e política.
Como diz Heloísa Buarque de Holanda: “ uma noção fundamental aparece no seio do movimento cultural de 60: a de que não existe possibilidade de uma revolução ou transformação social sem que haja uma revolução e transformação individual”.


Ao falar sobre como o tema diversidade se institucionalizou devido a pautas colocadas na ONU ( Organização das Nações Unidas), Gil se mostrou abarcador e sintético e reconheceu que em termos de Cultura, não se tem mais como criar fronteiras ou limites entre o fazer erudito ou popular, e que historicamente este entrelaçamento se deu em diversas instâncias. Algo que me suscitou a lembrança da Antropofagia e das apropriações regionalizadas de elementos não nacionais, a exemplo da guitarra elétrica e do nascimento e desenvolvimento do samba, enquanto poética musical imbuída de ser o ritmo genuinamente brasileiro e de caráter plural, logo diverso e multi étnico. Com a frase: “ A diversidade dá o tom da contemporaneidade”, Gil resumiu bem nossa era.

Ainda aferiu uma expressão metafórica e possivelmente polêmica em outros tempos, pontuando o nascimento de uma elite popular de contexto econômico
diferenciado, e de franco processo reorganizador enquanto pirâmide social, sendo a ferramenta internet, vital para este exercício democrático de construção coletiva ,de re-significação da realidade, de fruição da informação, de tomada de consciência, e de múltiplos primas e perspectivas.( Cultura Digital) . Para Gil, o celular é a guitarra elétrica da era de agora. Cabe nos perguntar: Quem não possui um celular nos dias de hoje?


Sempre aglutinador, e com a frase dita no filme Uma Noite em 67:“ Misturar as sementes para ver no que dá. Rolling Stones com Jorge Bem, Beatles com Banda de Pífanos de Caruaru“, Gilberto Gil foi revelando como permeou sua obra musical dessa epifania de elementos e como a criação artística, algo de seu mais genuíno, foi o instrumento de reivindicação e celebração dessa extensa e rica cultura global, de seu estado de espírito zen e disponível, criativo e inspirado,de sua influência da contra-cultura e da geração hippie. Em certo ponto, filosofou: “ O artista deve criar a partir de uma folha em branco. Conectado com o instante da criação”. Ou seja, com o que vier e se apresentar a ele, com a autenticidade do aqui e agora manifestado, trazido, revelado.

Toda sua atuação no Ministério da Cultura e a implementação do programa Cultura Viva aconteceram de maneira a indagar o que é Cultura, encarando-a como processo, e cedendo lugar a reflexão do papel do Ministério da Cultura enquanto fomentador e responsável pela reformulação da política cultural do País.
Como um mantra, que Gil repetiu quatro vezes durante nosso papo: “Só sei que nada sei, Só sei que nada sei, Só sei que nada sei, Só sei que nada sei”, ficou evidenciado que sua liderança foi exercida de maneira a disseminar esta postura aberta e crítica, preparada para atender os anseios reais de questões seculares e contingenciais.

No fim, Gil falou sobre a importância da conexão entre Cultura e Educação, e de como a lógica antropológica da Cultura determina um modo tal de aprendizado, que este deve ser revelado pela própria comunidade ou sujeito, concluindo que a sala de aula não é a única experiência possível enquanto processo pedagógico e de ensino.

O mais bonito se deu no fim. Percebi como cada um que saia do papo respirava fundo, de maneira a assimilar e ser afetado por toda aquela vivência.

* E eu abracei Gil, pois precisava a partir de um ato manifestar tudo que senti durante aquela tarde.